Notícias | Publicações - 15/10/2025
A transferência de créditos de ICMS entre filiais e o Convênio ICMS 109/2024
A celebração do Convênio ICMS 109/2024, que disciplina a transferência de créditos de ICMS entre estabelecimentos do mesmo contribuinte situados em diferentes estados, trouxe à tona discussões a respeito da legitimidade dessas operações. No Estado de São Paulo, esse Convênio foi regulamentado pelo Decreto Estadual 69.127/2024, o qual impõe a obrigatoriedade da transferência dos créditos de ICMS do estabelecimento de origem para o estabelecimento de destino em operações interestaduais entre filiais.
Diante dessa inovação normativa, tem sido objeto de discussão a validade das imposições do referido Convênio. E isso ao fundamento de que as obrigações nele veiculadas contrariam os princípios da não-cumulatividade e da legalidade.
Nesse sentido, merece destaque decisão recentemente proferida pela 9ª Vara da Fazenda Pública da Capital do Estado de São Paulo, que afastou os efeitos do Convênio ICMS 109/2024. E, ao fazê-lo, permitiu que o estabelecimento matriz mantivesse os créditos de ICMS ao efetuar remessas de mercadorias para filiais situadas em outros estados, e, ainda, que tais operações fossem realizadas sem incidência de ICMS e sem necessidade de destaque do imposto nos documentos fiscais. E assim se decidiu com base na Súmula 166 do STJ, no Tema 1.099 do STF e, também, no acórdão da Ação Declaratória de Constitucionalidade 49 (ADC 49), julgada pelo STF.
A ADC 49 consolidou o entendimento no sentido de que a transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte situados em estados distintos não afasta o direito à manutenção dos créditos oriundos das operações anteriores. O STF reafirmou a necessidade de se observar o princípio da não-cumulatividade e a coerência do sistema do ICMS, impedindo que convênios ou normas infralegais restrinjam direitos assegurados pela Constituição da República.
Infelizmente a questão não está pacifica, pois há decisões contrárias. Em uma delas, a Vara da Fazenda Pública de Araçatuba já se manifestou pela manutenção integral da presunção de legitimidade e legalidade do Convênio ICMS 109/2024, enfatizando não haver ilegalidade que justificasse a suspensão da aplicação da norma e a ausência de risco imediato ou dano irreparável ao contribuinte. Além disso, as 6ª e 11ª Câmaras de Direito Público do TJSP corroboram a visão contrária aos interesses dos contribuintes, mantendo, em diversas oportunidades, a obrigatoriedade da transferência dos créditos de ICMS nas operações interestaduais entre filiais, conforme determinado pelo Convênio ICMS 109/2024 e regulamentado pelo Decreto Estadual 69.127/2024.
Contudo, a 5ª Câmara de Direito Público do TJSP tem prolatado acórdãos reconhecendo o direito dos contribuintes a optarem pela transferência dos créditos ou não. Em julgamento recente, essa Câmara reconheceu que “não é possível obstar que o contribuinte paulista opte pela transferência dos créditos de ICMS do estabelecimento de origem para o de destino das mercadorias”. E, em outra oportunidade, fundamentou que “normas hierarquicamente inferiores (Convênio ICMS 109/2024 e o Decreto Estadual 69.127/24) não podem obstar o direito conferido pela Lei Complementar 204/2023”.
Assim, encontramo-nos em um cenário que envolve não apenas a interpretação da legislação infraconstitucional, mas também a aplicação direta de princípios constitucionais, revelando o sensível conflito entre a autonomia dos entes federados na instituição de normas complementares e a manutenção dos princípios assegurados pela Constituição da República. Nesse contexto, os posicionamentos divergentes do Judiciário acentuam o cenário de insegurança jurídica em relação à obrigatoriedade de transferência dos créditos de ICMS, exigindo maior atenção estratégica por parte dos contribuintes.
Felipe Fleury
Fernando Martins
Ana Silveira Rea