Artigos - 01/09/2025
A transferência de créditos de ICMS entre filiais e o Convênio ICMS 109/2024
A celebração do Convênio ICMS 109/2024, que disciplina a transferência de créditos de ICMS entre estabelecimentos do mesmo contribuinte situados em diferentes estados, trouxe à tona discussões a respeito da legitimidade dessas operações. No Estado de São Paulo, foi regulamentado pelo Decreto Estadual 69.127/2024, o qual impõe a obrigatoriedade da transferência dos créditos de ICMS do estabelecimento de origem para o estabelecimento de destino em operações interestaduais entre filiais.
Diante dessa inovação normativa, questiona-se judicialmente a validade das imposições do referido Convênio, alegando-se que tais obrigações contrariam os princípios da não cumulatividade e da legalidade.
Nesse sentido, merece destaque decisão recentemente proferida pela 9ª Vara da Fazenda Pública da Capital do Estado de São Paulo, que afastou expressamente os efeitos do Convênio ICMS 109/2024. É dizer, permitiu-se que o estabelecimento matriz mantivesse os créditos de ICMS ao efetuar remessas de mercadorias para filiais situadas em outros estados, e, ainda, que tais operações fossem realizadas sem incidência de ICMS e sem necessidade de destaque do imposto nos documentos fiscais.
E isso com base na consolidada jurisprudência dos tribunais superiores pela não incidência de ICMS em operações de deslocamento de mercadoria entre estabelecimentos do mesmo contribuinte (Súmula 166 do STJ e Tema 1.099 do STF) e, também, no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade 49.
A ADC 49, apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, foi determinante para consolidar o entendimento de que a transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte situados em estados distintos não afasta o direito à manutenção dos créditos oriundos das operações anteriores. O STF, ao apreciar a matéria, reafirmou a necessidade de se observar o princípio da não cumulatividade e a coerência do sistema do ICMS, impedindo que convênios ou normas infralegais restrinjam direitos assegurados pela Constituição da República.
No entanto, o entendimento jurisprudencial do tema ainda não é uniforme. Em sentido contrário à decisão mencionada, há posicionamentos desfavoráveis aos contribuintes no judiciário paulista. A Vara da Fazenda Pública de Araçatuba, por exemplo, já se manifestou pela manutenção integral da presunção de legitimidade e legalidade do Convênio ICMS 109/2024, enfatizando não haver ilegalidade que justificasse a suspensão da aplicação da norma e a ausência de risco imediato ou dano irreparável ao contribuinte.
Além disso, as 6ª e 11ª Câmaras de Direito Público do TJSP corroboram a visão contrária aos interesses dos contribuintes, mantendo, em diversas oportunidades, a obrigatoriedade da transferência dos créditos de ICMS nas operações interestaduais entre filiais, conforme determinado pelo Convênio ICMS 109/2024 e regulamentado pelo Decreto Estadual 69.127/2024.
Contudo, a 5ª Câmara de Direito Público do TJSP tem prolatado acórdãos reconhecendo o direito dos contribuintes a optarem pela transferência dos créditos ou não. Em julgamento recente, essa Câmara reconheceu que “não é possível obstar que o contribuinte paulista opte pela transferência dos créditos de ICMS do estabelecimento de origem para o de destino das mercadorias”. E, em outra oportunidade, fundamentou que “normas hierarquicamente inferiores (Convênio ICMS 109/2024 e o Decreto Estadual 69.127/24) não podem obstar o direito conferido pela Lei Complementar 204/2023”.
Assim, nos encontramos em um cenário que envolve não apenas a interpretação da legislação infraconstitucional, mas também a aplicação direta de princípios constitucionais, revelando o sensível conflito entre a autonomia dos entes federados na instituição de normas complementares e a manutenção dos princípios assegurados pela Constituição da República. Nesse contexto, os posicionamentos divergentes do Judiciário acentuam o cenário de insegurança jurídica em relação à obrigatoriedade de transferência dos créditos de ICMS, exigindo maior atenção estratégica por parte dos contribuintes.
Ana Silveira Rea