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Notícias - 24/11/2022

ConJur: Especialistas apontam desafios da administração pública diante de novas leis

Os principais advogados administrativistas do país estiveram reunidos de quarta (26/10) a esta sexta-feira (28/10), em São Paulo, durante o 36º Congresso Brasileiro de Direito Administrativo. No evento, cujo tema foi “Novas Leis: Promessas de um Futuro Melhor?”, cerca de 150 especialistas buscaram identificar e compreender os desafios da administração pública atual, com foco nas mudanças e atualização das legislações do setor.

 

Organizado pelo Instituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA), o congresso foi realizado na sede da Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp), com inscrições esgotadas três semanas antes do evento, e contou com a participação da jurista Maria Sylvia Zanella Di Pietro, uma das maiores autoras do ramo, além dos colunistas da ConJur Cristiana Fortini; Élida Graziane Pinto; Fabrício Motta; Luciano Ferraz; Paulo Modesto; e Vanice Valle, entre outros convidados.

 

No geral, os debatedores apontaram aspectos problemáticos das regulações, que, por um lado, geram obstáculos para a atividade estatal, mas, em contrapartida, situam o administrativista em posição de destaque no conjunto dos operadores do Direito na atualidade.

 

 

 

 

Tal quadro pode ser atribuído à ausência de um senso de cidadania em um país acostumado a enxergar aquilo que é público como algo que não pertence a ninguém. A chave para mudar essa realidade, diz ele, seria o exercício de uma cidadania efetiva, que só pode ocorrer no momento em que a sociedade cobrar, orientar ou monitorar o poder público.

 

Já em relação à prática observada atualmente do outro lado do balcão — o do Estado —, Zockun identifica uma mudança no perfil de atuação. Nesse sentido, ele avalia que a administração vem trespassando suas atividades para o setor privado, assumindo, assim, o papel de regular os particulares. E o processo envolve, sim, desestatização, mas não por meio da saída do Estado da sociedade.

 

“É, pelo contrário, uma mudança na forma de o Estado atuar. Ele agora deixa de ser protagonista para ser o regulador da vida em sociedade”, explicou Zockun.

 

Para além da análise sobre o novo perfil estatal, o evento apresentou um grande leque de temas no âmbito do Direito Administrativo. Para traçar um panorama da programação, a ConJur conversou com alguns dos palestrantes sobre as reflexões apresentadas nos painéis — que trataram de assuntos como licitações; concessões; contratos administrativos; análises de impacto regulatório; improbidade; privatizações; proteção de dados; e tecnologias disruptivas, entre outros.

 

Primeiro dia
Mestre em Direito Administrativo pela UFMG, a professora Tatiana Camarão participou, no começo da programação, do debate intitulado “Reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos”.

 

Em sua fala, ela defendeu que é possível adotar o equilíbrio econômico-financeiro da ata de registro de preços. Para isso, é preciso que exista uma regulamentação que especifique o procedimento a ser observado, a fim de oferecer segurança jurídica para o gestor e também para fornecedor.

 

Segundo a professora, também é importante que ocorra uma interação com o mercado com o objetivo de que seja apresentado um passo a passo para que os interessados realizem pleitos mais assertivos.

 

Tatiana Camarão defendeu, ainda, que todos os argumentos utilizados no sentido de que uma ata não equivale a um contrato acabam ficando esvaziados, já que a ata representa um pré-contrato, ou um contrato preliminar. “Alguns falam até em contrato de promessa de compra e venda. Então, a questão de alegar que é preciso um contrato, porque dele decorre o fato gerador, não procede”, afirmou.

 

“Tampouco a revisão”, prosseguiu Tatiana, “só para se fazer o que classificamos de revisão negativa, em função do Decreto 7.892, pois o próprio decreto, no artigo 19, permite a negociação. Então temos que partir pra uma negociação para não perder a ata, porque essa decisão é extremamente nefasta pra administração, que parte pra uma nova licitação, com todos os custos transacionais que envolvem. Há uma questão que inflaciona o mercado, porque os próximos registros já vêm computado valores muito mais altos. Fora o impacto que isso tudo gera no plano de contratação anual”.

 

Ainda no painel sobre reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos, a advogada e mestre em Direito Daiesse Jaala Bomfim abordou a questão da assimetria informacional e seu impacto nos pleitos que deveriam ser solicitados pela administração pública.

 

“Trouxe um pouco da questão da assimetria no âmbito da seleção adversa e do risco moral — a seleção adversa como a situação em que a administração não conseguiria separar maus licitantes dos bons licitantes, uma vez que não teria um conhecimento profundo do objeto e não elaboraria regras editalícias que conduzissem a uma boa execução, e ainda num cenário de estimativa de custos que pudessem conter falhas”, afirmou a advogada, que atua como auditora de controle externo no Tribunal de Contas do Município de São Paulo.

 

Ela explica que citou o exemplo de uma consultoria contratada para mostrar à administração pública o histórico de contratação de uma determinada concessão. “A administração não tinha informações sobre estimativa de custos no plano de negócios e, diante desse cenário, não conseguiria nem analisar um pleito de reequilíbrio que fosse feito pelo concessionário, e menos ainda não teria condições de fazer um pleito de reequilíbrio a seu favor”, afirmou.

 

“Trouxe como solução o diálogo com o mercado, por meio do diálogo competitivo, como uma forma de reduzir essa assimetria informacional para podermos então elaborar uma pretensão contratual da administração pública, preservando o interesse público da forma mais eficiente possível.”

 

Especialista em licitações, a professora de Direito Administrativo Christianne Stroppa discorreu sobre a participação popular em licitações e contratações públicas em face da Lei 14.133/2021. No painel, ela fez uma análise dos espaços que tratam dessa participação nas contratações também com base na lei anterior (8.666/1993), na qual, de acordo com ela, já era possível identificar tal previsão, “embora com referência feita ao cidadão, de que o cidadão poderia impugnar, poderia solicitar informações acerca de preços unitários em contrato”.

 

“O grande problema da ausência de participação era o desconhecimento, a dificuldade de acesso a essa informação, de acesso ao edital, acesso a um contrato, acesso ao processo. E essa é a mudança de chave na Lei 14.133. Com base na ideia de governança, ela agrega, como princípios, a transparência, a publicidade, e também trabalha como princípio objetivo o desenvolvimento sustentável, com fomento à participação popular nas decisões estatais. Com base nisso, a Lei 14.133 faz apenas uma referência expressa à participação, lá no caput do artigo 169, ao tratar exatamente da concretização da governança. Mas esse fomento se espraia no teor da lei como um todo, especialmente em face do portal nacional de contratações públicas, onde se pretende que os entes passem a divulgar desde editais a minutas de contrato, a contratos formalizados, a atas de registro de preço, a sanções que venham a ser aplicadas a fornecedores.”

 

Em sua exposição, Cabral explicou que o instrumento da análise de impacto regulatório existe desde a década 70, época em que começou a ser praticada nos Estados Unidos. No Brasil, porém, ela ganhou força recentemente, em um contexto de consolidação da Lei de Liberdade Econômica e da Lei das Agências Reguladores, que trazem expressamente a exigência dessa figura antes da edição de atos normativos.

 

Cabral mostrou que a análise de impacto regulatório é um método ainda pouco conhecido, seja da administração pública, seja da sociedade, e que, além disso, ele pode sofrer algumas melhorias, como uma maior participação social, por exemplo.

 

Em relação à importância da ferramenta, o procurador destaca que a eficiência administrativa demanda que o gestor, como regra, colha as conclusões das análises de impacto regulatório.

 

“Por isso, propus que haja uma ampliação do uso da análise não só antes de atos normativos infralegais, mas de processos legislativos, antes da edição de leis em sentido formal. E também a ampliação dos assuntos que demandam uma análise de impacto, sugerindo, por exemplo, uma mudança no decreto que trata do assunto para permitir a análise antes de normas de natureza tributária e indutora.”

 

Segundo dia
Mestre e doutora em Direito Administrativo, a livre-docente pela USP Irene Nohara participou, no segundo dia, da mesa “Tecnologias Disruptivas e o Direito Administrativo — o que Há de Realmente Novo?”. Na palestra, Nohara abordou os os problemas em torno da regulação em um contexto de revolução tecnológica provocada pelos serviços disruptivos, que tornam obsoletos modelos de negócios praticados anteriormente.

 

“A ideia do painel foi mostrar quais são os desafios do Direito Administrativo na regulação desses serviços disruptivos, seja por meio de plataforma, seja pelo aspecto do streaming, que trazem desafios em termos de razoabilidade, de proporcionalidade, de ponderação, para que efetivamente haja isonomia na regulação e no tratamento desses novos serviços”, resumiu Nohara.

 

Na mesa sobre regulação privada e o Direito Administrativo, a advogada e professora de Direito Societário da PUC-PR Marcia Carla Pereira Ribeiro analisou os impactos da regulação no que diz respeito ao consumo compartilhado, algo tornado possível com o advento das novas tecnologias. Segundo ela, o objetivo de sua palestra foi estimular a reflexão sobre o que se ganha e o que se perde no momento de regular uma atividade que precisa ser respeitada e utilizada como novo modelo de negócio.

 

“Sugeri que a melhor opção seria, num primeiro momento, uma auto-regulação, que acaba acontecendo porque a perspectiva de análise interna nas plataformas procura controlar a qualidade para preservar direitos”, disse a responsável pela a área de regulação econômica da Agência Reguladora do Paraná.

 

Em linhas gerais, Valgas argumentou que a edição da Lei 14.230/2021 trouxe maior racionalidade ao sistema de improbidade no Brasil, que “infelizmente sempre fez equivaler o agente honesto que erra ao quadrilheiro que merece sofrer as penas de improbidade”.

 

Na avaliação do advogado, a facilidade com que inúmeras condenações ocorriam na sistemática anterior fez com que o legislador exigisse o “dolo específico” para todos os tipos de improbidade (artigo 11, § 1º c/c § 2º da Lei 8.429/2021). Assim, prosseguiu, nos processos em curso em que não houve trânsito em julgado, até mesmo as condenações fundadas apenas em “dolo genérico” poderão ser revistas pelo Poder Judiciário, visto que agora exige-se o dolo específico.

 

Outro aspecto relevante da lei, diz Valgas, é que os fundamentos da absolvição criminal tomada por decisão colegiada impede o trâmite da ação de improbidade, comunicando todos os fundamentos da absolvição do artigo 386 do CPP, não mais limitada à autoria e à materialidade.

 

 Implantando um Modelo Eficiente”, que a intersecção entre a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, a administração pública e o princípio de eficiência evidencia uma tensão entre a proteção aos dados pessoais como projeção da personalidade e os potenciais benefícios decorrentes do tratamento desses mesmos dados para fins de aperfeiçoamento das políticas públicas.

 

No entendimento da professora, o princípio da finalidade, posto na LGPD como limitação ao tratamento e compartilhamento de dados, precisa ser entendido a partir de uma lógica que concilie ambos os valores condicionalmente protegidos. Isso exigirá, segundo ela, reconhecer “uma certa plasticidade em relação aos termos iniciais da coleta e tratamento de dados pra admitir sua reconfiguração pra outros usos distintos, mas sempre compatíveis com os originais”.

 

Pós-doutora em administração, Valle observou também que a abordagem adotada pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 6.649 e na ADPF 695, associando o tratamento de dados à realização de tratamento pra propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados, empreende uma leitura conservadora do princípio da finalidade.

 

“A exigência radical de evidenciação prévia em termos explícitos específicos da finalidade da coleta, tratamento e compartilhamento de dados pela administração pode resultar na limitação do potencial de aprendizado e aperfeiçoamento de políticas públicas que esses mesmos dados pessoais, abordados a partir de outra perspectiva, poderiam proporcionar. Disso não decorre uma abertura pra que a administração, uma vez coletados os dados, possa lhes conferir tratamento que bem lhe aprouver”, avaliou.

 

Terceiro dia
Palestrando no último dia do congresso, o professor de Direito Administrativo e procurador do estado do Rio Grande do Sul Juliano Heinen analisou os problemas e as possibilidades da privatização de empresas estatais.

 

No painel, ele discorreu sobre pressupostos para se pensar numa desestatização, incluindo as situações em que isso é vantajoso ou legal a partir dos pressupostos constitucionais vigentes.

 

“E, a partir dessa opção, mostrei se é possível tomar um caminho de um leilão, ou seja, de uma M&A ou de uma abertura IPO, de uma abertura de capital, a partir da jurisprudência do STF”, explicou o procurador, que tratou também da aproximação entre um programa de IPO de abertura de capital em relação ao leilão comum.

 

Nova diretoria
Durante o congresso, o IBDA definiu a composição de sua nova diretoria. Para o cargo de presidente da entidade, foi eleita a advogada, doutora em Direito Administrativo pela Universidade Federal de Minas Gerais e titular da coluna Interesse Público, da ConJurCristiana Fortini.

 

Para os cargos de primeiro, segundo e terceiro vice-presidentes, foram eleitos, respectivamente, Rodrigo ValgasEdgar Guimaraes e Lígia de Casimiro. O diretor-executivo será Rodrigo Pironti. Já as diretorias de regionalização, institucional e de normatização serão ocupadas, nesta ordem, por Carolina ZancanerHeloisa Godinho e André Saddy.

 

Reprodução: Revista Consultor Jurídico, 29 de outubro de 2022.

Por Vinícius Abrantes